
Reformulando o Código Civil: A Influência da Personalidade Internacional
O Projeto de Lei nº 4/2025 propõe atualizar o Código Civil brasileiro e inclui uma mudança que, embora sutil, merece atenção: o parágrafo único do artigo 1º. Este artigo estabelece, em sua base, que “toda pessoa natural goza de capacidade jurídica para ser titular de direitos e deveres na ordem civil”. A novidade é que, segundo esse parágrafo, as pessoas naturais em território nacional também são reconhecidas como detentoras de “personalidade internacional” com base em tratados internacionais que o Brasil assinou.
A principal intenção do projeto é reforçar a posição dos indivíduos no ordenamento jurídico, destacando sua importância como sujeitos de direitos e garantias, especialmente à luz dos direitos humanos. Apesar dessa intenção, a redação apresenta algumas imprecisões jurídicas.
A expressão “personalidade internacional” não possui uma definição clara no contexto das normas brasileiras e não aparece em tratados que o Brasil assina. Isso gera um desafio para a interpretação do texto, uma vez que a expressão é mais uma categoria do Direito Internacional do que uma afirmação estabelecida no direito interno. Além disso, a crítica não se opõe à valorização dos direitos humanos, mas alerta que uma fundamentação técnica e coerente é necessária ao incorporá-los na legislação.
A ideia de que indivíduos têm personalidade internacional é uma questão debatida. Muitos especialistas argumentam que o foco do Direito Internacional deve mudar, reconhecendo os indivíduos como sujeitos de direitos diretos, não apenas os Estados. No entanto, essa visão não é unânime; alguns autores sustentam que indivíduos não têm os mesmos status jurídicos internacionais que os Estados.
Ainda que se aceite a possibilidade de os indivíduos serem considerados sujeitos de Direito Internacional, a forma como o Projeto de Lei trata esse tema é derrogativa. A personalidade internacional é algo que é conferido no âmbito do Direito Internacional e não pode ser outorgado por uma norma interna.
Outro ponto problemático é a menção a “tratados dos quais o país é signatário”. O processo legal para a internalização de tratados no Brasil é claro: eles precisam passar por negociação, assinatura, aprovação pelo Congresso, e só então ratificação. Até a ratificação, um tratado não gera direitos e deveres automaticamente. Portanto, a palavra “signatário” por si só não é suficiente para estabelecer vínculos jurídicos.
Além de sua definição vaga, o dispositivo ignora as diferenças na capacidade internacional dos indivíduos. Isso é problemático, pois a capacidade de indivíduos em relação a compromissos internacionais varia e não pode ser generalizada por uma norma de direito civil.
Em resumo, a proposta inclui elementos que podem comprometer a coerência do sistema jurídico nacional, confundindo normas internas e internacionais. Se a intenção é reforçar os direitos humanos, o texto deve ser revisto para garantir sua precisão técnica e adequação jurídica, evitando ambiguidades que possam dar margem a interpretações errôneas. A solução pode ser uma reestruturação do parágrafo ou, se necessário, sua retirada do projeto.