
Do Sonho à Realidade: A Jornada do Estado Interamericano de Direito
O livro e o filme “Ainda Estou Aqui” trazem à luz os dilemas enfrentados pela família Paiva, especialmente em relação ao assassinato e desaparecimento forçado de Rubens Paiva, um engenheiro e deputado que se tornou uma vítima da ditadura militar. Essa narrativa provoca reflexões sobre a memória, a justiça e a responsabilização, temas centrais no contexto da história recente do Brasil.
A cerimônia do Globo de Ouro, na qual a atriz Fernanda Torres foi premiada por sua interpretação de Eunice Paiva, fomentou um debate sobre a necessidade de responsabilização pelos crimes cometidos durante a ditadura. A votação de Torres ressoou com um anseio maior da sociedade: o de que a memória coletiva não seja esquecida e que episódios traumáticos não sejam apagados da história.
A questão da memória é essencial. Enquanto indivíduos podem optar por esquecer, o Estado tem a obrigação de recordar, especialmente em casos de crimes contra a humanidade. A falta de investimentos em políticas que garantam o acesso à justiça e a preservação da memória histórica, como as solicitações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, evidencia lacunas significativas em como o Brasil tem tratado sua história recente. O descumprimento das diretrizes internacionais, mesmo após condenações, compromete o processo de justiça e a reconciliação necessárias para a sociedade.
Na esfera política, a justiça de transição permanece incompleta. A ausência de políticas públicas efetivas contribui para que a memória das violências do passado não se transforme em ação concretas. As recomendações de comissões da verdade e programas de reparação são, em muitos casos, apenas promessas não cumpridas. Essa falta de compromisso resulta na perpetuação da impunidade, independentemente dos governos em exercício.
Além disso, as divergências jurídicas sobre a Lei de Anistia acentuam a confusão em relação à responsabilização dos crimes da ditadura. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha defendido a compatibilidade da Lei de Anistia com a Constituição, a Corte Interamericana a considera incompatível com as normas internacionais de direitos humanos. Essas controvérsias demonstram a dificuldade do Brasil em alinhar suas práticas internas aos compromissos internacionais, formando um entrave para a justiça efetiva.
Recentemente, novos desenvolvimentos no Supremo Tribunal Federal trouxeram um novo impulso ao debate, com decisões que reconhecem a continuidade do crime de ocultação de cadáver em relação ao direito das vítimas e suas famílias. Tais ajustes são oportunidades importantes para a construção de uma nova perspectiva sobre a justiça de transição e o reconhecimento dos direitos humanos.
O contraste entre representações artísticas e a realidade evidencia que, apesar da visibilidade das reivindicações, como as de Eunice Paiva, os desafios permanecem. Celebrar as vitórias simbólicas é crucial, mas o trabalho não termina aí. É necessário continuar a buscar um Estado verdadeiramente democrático que respeite os direitos humanos, construindo um futuro onde a memória não seja apenas um eco do passado, mas um guia para a justiça e a reconciliação. O caminho à frente é longo, mas ele deve ser trilhado com a determinação de não deixar que a história se repita.