Conflito de Interesses: Vítimas e Autores de Delitos em Disputa pelos Seus Direitos

Opinião: A Intersecção dos Direitos de Vítimas e Autores de Delitos no Brasil

No Brasil, frequentemente observa-se a crença de que existe uma oposição entre os direitos das vítimas de crimes e os direitos dos réus e suspeitos. Essa percepção se evidenciou recentemente com o lançamento do plano Pena Justa, uma iniciativa destinada a enfrentar as violências sistêmicas nos sistemas prisionais, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Algumas declarações de cidadãos refletiram a ideia de que o sistema judiciário se preocupa mais com os "bandidos" do que com as vítimas, revelando uma concepção distorcida sobre a função da justiça em um Estado Democrático de Direito.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, as vítimas são aquelas que sofreram danos físicos ou emocionais, prejuízos econômicos ou violações de seus direitos fundamentais devido a crimes. É essencial que seus direitos sejam garantidos, incluindo acesso à justiça e proteção à sua dignidade durante o processo, evitando sua revitimização. A reparação de danos é um aspecto que vem ganhando maior atenção no ordenamento jurídico, assegurando que as necessidades das vítimas sejam reconhecidas e atendidas pelo Estado e pela sociedade. Entretanto, é importante ressaltar que a proteção dos direitos das vítimas não deve ocorrer à custa das garantias fundamentais dos acusados.

Infelizmente, muitas propostas que visam aumentar a punição dos infratores usam a figura da vítima como justificativa, levando a flexibilizações nas garantias constitucionais. No entanto, essas medidas muitas vezes não cumprem as expectativas de proteção real para as vítimas e podem comprometer conquistas importantes do sistema democrático. A abordagem centrada na punição dos infratores frequentemente reduz a vítima a um mero testemunho dentro do processo, desconsiderando suas necessidades e direitos.

Os direitos dos acusados, como o devido processo legal e a presunção de inocência, são essenciais para evitar erros judiciais e abusos de poder. O sistema penal deve assegurar que a execução das penas respeite a dignidade humana e os direitos dos apenados, sem promover a impunidade ou negligenciar as vítimas. Um sistema justo é aquele que protege ambos os conjuntos de direitos, reafirmando o respeito à dignidade de todos os indivíduos.

A retórica que opõe os direitos das vítimas e dos réus emerge muitas vezes de uma construção populista que explora a dor das vítimas e clama por justiça imediata, solicitando punições severas. O foco em agravar a situação dos ofensores com a expectativa de redução da criminalidade, embora popular, carece de comprovação empírica e não apresenta soluções eficazes. Além disso, é necessário adotar uma abordagem proativa, buscando prevenir crimes antes que ocorram, ao invés de se concentrar apenas na retribuição.

Neste cenário, iniciativas como o Projeto de Lei 3.890/2020, que visa a criação de um Estatuto da Vítima, são promissoras ao proporem um reconhecimento dos direitos das vítimas, sem que isso se traduza em aumento das penalizações para os infratores. Esse debate é crucial e reafirma que tratar os direitos de vítimas e réus como adversários distorce as funções do sistema de justiça e mina os esforços para construir políticas mais eficazes que beneficiem todos os envolvidos.

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