
Fortaleça a Soberania Alimentar: O Papel do Direito na Proteção dos Nossos Alimentos
Opinião
O Brasil é o líder mundial na exportação de soja, atendendo a mercados significativos como China, União Europeia e Estados Unidos. Contudo, esse cenário é paradoxal, já que o país enfrenta um grave problema de insegurança alimentar. A crescente demanda externa e as guerras tarifárias elevaram os preços da soja, tornando-a mais lucrativa para exportação, mas cada vez mais cara para o consumo interno. Essa situação traz à tona uma questão crucial: qual é o papel do direito nesse contexto? Quando a alimentação passa a ser considerada um ativo financeiro, será que o sistema jurídico consegue assegurar o direito à alimentação, conforme estipulado pela Constituição?
O artigo 6º da Constituição Brasileira define o direito à alimentação como um direito social. Complementar a isso, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional estabelece mecanismos para garantir esse direito, promovendo a articulação entre políticas públicas e a participação social. No entanto, a realidade mostra um grande descompasso entre a legislação e a prática. Dados de 2022 apontam que mais de 33 milhões de brasileiros enfrentavam a fome, uma estatística chocante para uma nação com tanta capacidade agrícola.
O foco da produção de grãos, especialmente a soja, é predominantemente voltado à exportação, enquanto as culturas alimentares básicas, como arroz e feijão, não recebem a atenção necessária. Assim, a soja transcende seu papel agrícola e se torna um instrumento de poder no cenário global. A dependência da China na proteína vegetal solidificou a posição do Brasil como um parceiro estratégico, mas essa relação também torna o país vulnerável, influenciando suas decisões internas, incluindo questões ambientais e regulatórias.
Ao longo do tempo, o Brasil tem ajustado seu marco jurídico para favorecer a produção de commodities. Políticas de crédito rural, isenções tributárias para exportação e a falta de restrições à exportação de alimentos essenciais ilustram como o direito pode ser utilizado para apoiar uma lógica mercantil em detrimento da segurança alimentar.
Esse contexto gera reflexões sobre a natureza do direito: ele pode proteger, mas também pode ser usado como ferramenta de dominação. O sólido arcabouço legal se enfraquece quando as políticas públicas priorizam interesses externos em detrimento da soberania alimentar interna.
No cenário internacional, a soberania alimentar é reconhecida como um direito dos povos a produzir e consumir alimentos adequados a suas culturas, de forma sustentável e acessível. No entanto, esse conceito ainda é pouco explorado no Brasil.
Os direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais, devem ter eficácia imediata. Portanto, é fundamental que haja políticas públicas efetivas e controle judicial quando o Estado falha em garantir esses direitos. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a justiciabilidade dos direitos sociais em outras áreas e esse entendimento precisa se estender ao campo da alimentação.
A produção de soja pode ter posicionado o Brasil como uma potência exportadora, mas isso não se refletiu em segurança alimentar. O sistema jurídico precisa reforçar a ideia de que a dignidade humana deve prevalecer sobre as exigências de mercado. A luta pela soberania alimentar integra esse debate, ressaltando que o direito deve proteger a população brasileira da dependência de uma lógica mercantil que transforma a comida em mera cifra e a vida em estatística.